As ruínas da Igreja do Rosário dos
Homens Pretos ficam localizadas no Povoado de Muribeca dos Guararapes,
município de Jaboatão dos Guararapes. Situada na parte mais baixa do povoado,
no extremo sul da Rua da Matriz, a igreja fica no lado oposto à Igreja Matriz
do povoado, também sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário. Sua condição de
ruínas é um dos aspectos mais característicos e peculiares da localidade.
O povoado de Muribeca data do primeiro
século de colonização em Pernambuco – século XVI, sendo um dos principais
centros açucareiros da antiga Capitania de Pernambuco. Chegou a possuir cerca
de 20 engenhos de cana-de-açúcar, ocasionando uma grande presença de mão de
obra escrava africana na localidade. Os escravos africanos, trazidos de
diversos lugares do continente africano (Guiné Bissau, Costa da Mina, Benguela,
Congo, Cabinda, Angola e Moçambique) possuíam línguas diferentes, costumes
diversos e crenças religiosas particulares de cada povo e região. Porém, para
sobreviver e resistir à dor do cativeiro e à distância de seus parentes e de
sua terra natal, os escravos e negros livres tratavam de se organizar em
irmandades religiosas católicas, tais como as irmandades do Rosário dos Homens
Pretos.
As irmandades do Rosário dos Homens
Pretos eram agremiações religiosas presentes nos lugares onde havia abundância
de escravos. Seu objetivo era unir os escravos e os negros livres em sua nova
terra, tanto para a ajuda mútua entre seus membros, como para expressar seus
anseios por liberdade. As irmandades também representavam uma forma de
resistência cultural à escravidão e à dominação do homem branco, pois apesar de
seguirem os ritos da religião católica, muitas de suas manifestações eram de
origem africana. Entre estas, pode-se citar a presença de danças, batuques,
símbolos religiosos e a tradicional coroação do Rei e Rainha do Congo.
A coroação do Rei Congo ou Congada era
uma celebração realizada durantes as festas de Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos, que aconteciam no mês de outubro. Neste evento, eram escolhidos, entre
os negros presentes, um rei e uma rainha que iriam exercer uma jurisdição
simbólica sobre seus súditos. Remetendo a muitos dos mesmos rituais religiosos
realizados na África, seguiam em procissão com arqueiros à frente, calungas
enfeitadas, símbolos religiosos, com músicas e danças e outras manifestações
culturais que dariam origem futuramente ao Maracatu.
Apesar de pobres e dos recursos
limitados, e muitas vezes, à despeito de sua condição de escravos, os membros
das irmandades do Rosário construíam suas próprias igrejas, se possível, tão
ricas e ornamentadas como as construídas pela elite branca. Para isso,
trabalhavam arduamente produzindo objetos para serem comercializados, cujas
rendas eram remetidas às obras, como também pelo serviço voluntário e aquisição
de esmolas. Sobre isso, assim nos fala o Padre Loreto Couto: “Os homens pretos, e captivos se mostrão tão
affectuosos amor e serviço da May de Deos, a Senhora do Rosario, que elles
mesmos ainda que pobres, se lhes resolverão a fundar huma fermosa Igreja, em
que são elles os fundadores e administradores.” Sobre as missas realizadas
nas igrejas do Rosário ainda diz o mesmo autor: “Todos os dias do anno sem que os estorve algum acontecimento catão o
terço com ladainha. Nos sabbados cantão a canto de órgão a ladainha as sinco
horas da tarde, e as sete da noite o terço.” Sobre a Festa de Nossa Senhora
do Rosário ainda diz:” Na segunda dominga
de outubro festejam a Senhora com grande solemnidade e para mayor fervor de sua
devoção, formão danças, e outros lícitos divertimentos, com que devotamente
alegrão o povo.”
Não se conhece a data exata de
construção da Igreja do Rosário dos Homens Pretos de Muribeca, porém provavelmente é do início do século XVIII. A primeira referência
sobre sua existência é do ano de 1774, quando é citada na Idéia da População da
Capitania de Pernambuco, onde o templo aparece ao lado da Igreja de São Gonçalo
e da Matriz do Rosário. Em 1821, é citada por James Henderson em sua obra “A
History of Brazil” como sendo uma ermida de mesmo nome da Igreja Matriz. Também
é citada sua existência em 1863 por Manuel Honorato em seu dicionário sobre a
Província de Pernambuco. A partir do final do século XIX, não há referências
sobre o templo, como também não se conhece quando nem por quê entrou em
decadência e abandono até ficar em ruínas.
No ano de 1954, durante as comemorações
do 300° aniversário da Restauração Pernambucana, foi celebrada uma missa na
Igreja do Rosário dos Pretos de Muribeca. A cerimônia foi conduzida pelo padre
da Paróquia de Jaboatão Aurino Caracciolo e o evento contou com a presença de
políticos como o prefeito Humberto Barradas e senador Jarbas Maranhão. O templo
já se encontrava no estado de ruínas na ocasião.
A Igreja do Rosário dos Homens Pretos de
Muribeca encontra-se em processo de tombamento a nível estadual pela FUNDARPE,
assim como o Povoado de Muribeca dos Guararapes. Também está tombada a nível
municipal pela prefeitura de Jaboatão dos Guararapes.
2 comentários:
Lamentável o descaso com esta e outras igrejas em estado de ruínas. No Janga, localizada na mata do janga, existe também caso semelhante.
Muito boa essa matéria, quero dizer excelente. parabéns !
Postar um comentário